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Dia Nublado

Dia nublado, cinzento. Foi assim que ele se foi. A rua não estava fechada, os carros circulavam normalmente. Nada se fechara para ele, mas sua sensação era de que as coisas que ele tinha, as coisas que tinha construído, não lhe serviam mais. Casa, cama de casal, mesa, hora do jantar. Asco.

Virou a esquina e chamou um táxi. Colocou a pequena mala sobre o banco. O telefone celular tocou. Era Carlos perguntando como estava. “Acabo de sair de casa”, respondeu. “Tinha de ser assim, rápido. Angela não esperava, ainda está sem entender”. O motorista estava quieto. “Mas eu preciso mudar, minha vida não pode ser só isso”. O motorista continuava quieto. “Não sei, Carlos, não sei. Não tem mulher na estória, juro. Eu preciso sair desta vida. O que eu quero eu não sei”.

O motorista fez a curva enquanto ele finalizava o telefonema. “Desculpe me intrometer”, disse o motorista, “mas ontem eu voltei para casa. Fiz assim como o senhor, não quis mais, de repente. Fui para a casa de um amigo. Fiquei lá seis meses. Fiz nada não, mulher também não tinha. Quis mesmo foi ficar sozinho, sair sozinho. Comer minha lingüiça no bar do Janjão, torcer pro meu time no Maracanã, olhar uns brotos, beber todas as cervejas que tinha vontade, ir aos meus filmes sem ter de perguntar nada a ninguém. Eu ontem voltei, quis mais a minha mulher. Minha parceira.”

O motorista fez outra curva. O dia continuava cinzento. A mala sobre o banco. E a cidade ali, pronta para abarcar qualquer sonho.

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